sábado, 20 de dezembro de 2008

capítulo I.

Antes da Passagem

O luto antecipado vestia o palácio. Ninguém duvidava da travessia próxima do rei para O Outro Lado. Nos corredores, a cor amarela do brasão real deixara de brilhar e resplandecer como usualmente para se tornar mortiça e murcha. O próprio ouro que ornava a mobília das salas mais requintadas e a prata que refulgia como espelhos tinham perdido o encanto. Jamais, desde que Nyree se lembrava, havia a corte atravessado um estado de tamanha depressão. O negrume da morte parecia rastejar pelos cantos, como se o próprio Senhor do Sono esticasse os seus braços por entre as divisões do palácio real de Syran. Mesmo na sala onde, todas as manhãs, se encontravam a rainha e as suas damas de companhia para bordar elaborados desenhos de brilhantes cores, vogava o silêncio, tão incomum. Até a senhora de Syran, Dementia Wallace, se erguer, elegante e tranquilamente, nenhuma palavra se escapara por entre os lábios das mulheres que se encontravam na divisão. Assim que a rainha abandonou a sala, sussurros misturaram-se com o ruge-ruge das saias a roçarem as outras e o chão.

Nyree ultrapassou-as, esgueirando-se por entre as damas que se acotovelavam para relatar notícias – ou, mais provavelmente, rumores. No corredor, cujas largas janelas deixavam entrar a luz Outonal, derramando-a no chão de pedra, os seus passos solitários ecoaram nas paredes despidas, exceptuando pelo brasão com o sol negro da família Wallace.

E se o rei morresse? Era inevitável, sabia-o, mas conhecera-o desde que viera para a corte e, sempre que lhe dirigia a palavra, era cortês e bondoso. Tal facto não se devia sequer ao facto de ser sua sobrinha, antes à personalidade gentil de Clement Wallace. Porém, não se sentia preparada para o ver definhar eternamente. A Passagem aliviá-lo-ia do sofrimento por que passava. E a celebração em nome de tal evento traria de novo vida ao palácio, e o manto de negrume que o soterrava levantar-se-ia.

Passos rápidos acercaram-se de si, e virou-se para encarar o seu dono. A pequena Laurie Bethany, irmã de Tawnie Bethany que, como Nyree, era uma das damas de companhia da rainha, saltitava pelo corredor, fazendo baloiçar os cabelos loiros presos com dois laços. Ao vê-la, esboçou uma pequena vénia, graciosamente, que combinava com o sorriso que empunhava. Quando ambos lhe foram retribuídos, o sorriso alargou-se e prosseguiu. Nyree quedou-se a vê-la desaparecer na esquina, antes de continuar a andar.

A sua reflexão foi de novo interrompida por uma jovial voz, atrás de si.

— Menina Wynter, poderíeis dispensar-me um pouco do vosso tempo?

Nyree acenou, esperando que Alene Eudora alcançasse o seu lado para avançar.

— A vossa irmã partiu há um mês, e desde então que não tenho recebido quaisquer notícias suas.
“Sim, já calculava que era isso que querias saber”, pensou a jovem de cabelos negros. Alene e Shairany eram amigas desde que os três filhos da família Wynter haviam chegado à corte. A menina Eudora estendera a mão à sua irmã mais nova quando ninguém se interessava pela rapariga distante e fria, com uma personalidade condicente com os seus cabelos e olhos cinzentos. Os mesmos olhos que os seus e os de Seth. Suspirou e baixou a voz. – A Shairany continua no campo de treino militar, ainda que espere regressar dentro de uns dias. Estou certa de que não tardará a aparecer ao portão, montada no seu cavalo.

Alene sorriu abertamente, tornando ainda mais bonita a cara roliça e fazendo refulgir os olhos castanhos. Os curtos cabelos ruivos escorregaram-lhe para os olhos quando lhe fez uma vénia, e afastou-se num passo quase saltado. Nyree não desgostava da rapariga, reflectiu. Era espontânea e honesta, o que não se podia dizer de uma grande parte da corte, e destacava-se mesmo por entre as damas de companhia de Dementia. Compreendia que Sharainy se desse tão bem com ela. Mas não era sua amiga, e Nyree não confiava totalmente nela. Sabia que tal seria insensato, num local onde os segredos eram contados tão facilmente que raramente tinham oportunidade de ser segredos.

Enquanto falava com Alene, avançara até ao átrio principal. No seu lado esquerdo abriam-se, altas e imponenentes, as portas da Sala de Audiências. Parou para olhar o seu interior, com as paredes cobertas de tapetes e o brasão da casa real sobre o trono, onde, nesse momento, se encontrava Bryan, herdeiro da casa Wallace, substituindo o seu pai. Era um jovem bonito, nos seus vinte e quatro anos, cabelos castanhos e olhos da mesma cor. Dizia-se que era igual ao pai, quando tinha a mesma idade. Também a sua personalidade era parecida à do seu progenitor. Justo, firme e, contudo, ostentando tão facilmente sorrisos que se diria que nascera sorridente. Para Nyree era como um irmão mais velho.

Apenas restavam três homens aguardando uma audiência. Bryan ouvia o que dizia o primeiro, pensativamente, para depois se inclinar para a direita, para um dos guardas, sussurrando-lhe algo ao ouvido. Este acenou e desapareceu por uma porta por detrás do trono. De seguida, o príncipe herdeiro voltou a sua atenção para o camponês à sua frente e decretou uma sentença que pareceu deixá-lo aliviado.

— Menina Wynter. – Ao seu lado, subitamente, surgira o guarda que vira deixar o estrado a mando de Bryan. – Sua Alteza pede-vos que aguardeis alguns momentos, e que se vos juntará dentro de pouco tempo.

Assim que Nyree acenou, ele voltou a desaparecer, e não tardou até que o visse aparecer de novo no lugar de onde partira, murmurando algo ao ouvido do príncipe. Este acenou e prosseguiu as audiências.

Quando por ela haviam passado os três homens, todos esboçando vénias desajeitadas pela falta de hábito e murmúrios de “Senhora”, Bryan saiu da sala, esboçando um sorriso. Não era tão alegre como usual, reparou, mas não deixava de ser reconfortante, quando quase toda a alegria do castelo se escoava e se escondia, e muita da que restava era vã ou cínica.

— Então, Ny, que fazes por aqui? A minha mãe acabou a sessão de costura mais cedo? – inquiriu, passando-lhe uma mão pela franja, despenteando-a.

Lançando-lhe um olhar mal-humorado, ajeitou o cabelo. – Sua Graça não se encontra com disposição para a costura, o que é compreensível.

O suspiro de Bryan era cansado, e ele deixou cair a mão sobre o cabelo dela, pousando sobre a trança escura presa com ganchos em redor da cabeça. – Não a censuro, Nyree, não a censuro. – As palavras que murmurava pareciam dirigidas a si próprio. – Podemos ir lá para fora? Há alguns dia que não meto pé nos jardins.

Caminharam em silêncio. Bryan era, provavelmente, aquele que se sentia pior com a situação. Todos conheciam o amor que devotava ao pai, maior ainda que o da rainha. Mas não podia chorar, nem sequer lamentar-se, uma vez que era ele o sucessor e era seu dever representar a força de todo o reino. Nem mesmo o seu irmão mais novo, Tyrev, carregava tal fardo. Apenas o Senhor-Pai e a Senhora da Ampulheta saberiam quantas lágrimas teria derramado sozinho.
Nos jardins repousava uma tranquilidade que não se respirava no interior do palácio. Tomaram lugar num banco de pedra, e Nyree alisou as pregas do vestido escarlate enquanto aguardava.

— Ele não aguenta muito mais tempo, Ny. Os físicos dão-lhe uma semana, talvez duas. Temos de começar a preparar a Celebração da Passagem. – A amargura na sua voz congestionou a garganta de Nyree. Preparar-se para festejar a partida do pai. Não poderia falar como se se tratasse da preparação de um casamento, apesar de tentar fazê-lo. – Eu... Não sei se sou capaz. – Cobriu a cara com as mãos, e as costas encurvaram-se. O seu corpo foi sacudido por soluços.

Nyree encontrou-se incapaz de tomar qualquer atitude. Aguardou, silenciosa, as mãos no regaço em punhos apertados. Não tinha palavras de conforto, e não lhe diria que tudo ficaria bem. Aguardou até as lágrimas deixarem os belos olhos castanho-esverdeados do Príncipe Herdeiro, até ele enxugar os olhos com a manga branca da camisa e lhe dirigir um sorriso que parecia dificilmente sustido.

— Desculpa-me, Ny. – Sorriu-lhe tenuemente. – Deves querer refrescar-te antes do almoço. – Levantando-se, estendeu-lhe a mão. – Acompanho-te aos teus aposentos.

A rapariga tomou-a, e perscrutou-o. Ainda tinha os olhos vermelhos, mas já parara de chorar. De regresso aos corredores sombrios, ambos seguiram em silêncio, tornando mais pesado o ambiente que se sentia. Quando alcançaram a porta dos aposentos das mulheres, estacaram.
— Vejo-te dentro de instantes, então – anunciou o príncipe. Inclinando-se para lhe beijar a mão com delicadeza, aguardou até que ela fechasse a porta atrás de si antes de se afastar.

Nyree evitou as outras damas que conversavam em cochichos nos corredores e caminhou directa ao seu quarto, onde fechou a porta e se deixou cair na cama. A janela aberta suspirou para o interior, uma rajada de ar fresco que agitou as cortinas verdes e lhe afagou a face. Fechou os olhos, e não os abriu quando escutou dois pés tocarem o chão de pedra.

— Que queria o Bryan? – A voz melodiosa deslizou sobre si, como o vento.

— Nada.

Os passos contornaram a cama. – Oh, vá lá, Ny, sabes que vais acabar por me contar.

A rapariga suspirou. – Queria apenas alguém com quem falar. E tu nem devias ter subido, sabes que se te apanham aqui estamos os dois condenados.

— Somos irmãos, querem impedir encontros familiares?

— Não brinques. – Sentou-se, olhando para o rapaz à sua frente. – Qualquer dia cais a subir aquela árvore.

Seth sorriu obstinadamente. – Se tivesse de cair, já tinha caído.

O sino que chamava para a refeição do meio-dia reverberou pelo palácio. – Vai-te embora, vemo-nos daqui a pouco – exortou Nyree. Empurrou o irmão até à janela e fechou-a depois de o ver descer, deslizando agilmente pela árvore que ligava a um pequeno jardim interior onde raramente alguém passeava, por ser tão recluso e ficar num canto pouco importante do palácio, geograficamente.

De seguida, ela mesma escorregou por entre os aposentos femininos até ao salão, onde se juntava a corte.

© Débora e Catarina

sábado, 13 de dezembro de 2008

personagens II.

nome. clement wallace
idade. 63
aspecto.
cor dos olhos. castanhos escuros
cor do cabelo. grisalho liso
constituição. baixo e robusto

nome. dementia wallace
idade. 40
aspecto.
cor dos olhos. verdes
cor do cabelo. castanho claro ondulado
constituição. alta e elegante

nome. bryan wallace
idade. 24
aspecto.
cor dos olhos. castanhos esverdeados
cor do cabelo. castanho Liso
constituição. alto e magro

nome. tyrev wallace
idade. 19
aspecto.
cor dos olhos. verdes
cor do cabelo. loiro Liso
constituição. alto e encorpado

nome. seth wynter
idade. 21
aspecto.
cor dos olhos. cinzentos
cor do cabelo. negro liso
constituição. estatura mediana e gracioso (elegante)

nome. nyree wynter
idade. 21
aspecto.
cor dos olhos. cinzentos
cor do cabelo. negro liso pela cintura
constituição. baixa e graciosa

nome. shairany wynter/shairan terrance
idade. 16
aspecto.
cor dos olhos. cinzentos
cor do cabelo. cinzentos lisos pela cintura
constituição. estatura mediana e magra

nome. neureus cree
idade. 18
aspecto.
cor dos olhos. azul
cor do cabelo. loiro escuro, liso
constituição. alto e magro

personagens.

syran.

família real.
o rei ˙ clement wallace
rainha ˙ dementia wallace, née dementia abagael
príncipe herdeiro ˙ bryan wallace
príncipe [bastardo da rainha] ˙ tyrev wallace

família wynter.
lord wynter ˙ tharley wynter
lady wynter ˙ lilith wynter, née lilith wallace
filhos primogénitos ˙ gémeos . seth wynter, nyree wynter
filha mais nova ˙ shairany wynter º shairan terrance

os cavaleiros.
tyrev wallace
kendal wiktoria (general do exército real)
shairan terrance
carson lee
brandon spyro

as damas de companhia da rainha.
bridget wiktoria
alene eudora
aune lenore
tawnie bethany
candice rolf
nyree wynter

os escudeiros.
william rolf (de bryan wallace)
trent lee (de bryan wallace)
gwayn harland (de tyrev wallace)
rafe bertram (de shairan terrance)

os criados (de quarto).
serena lien (de nyree wynter)
niles laz (de seth wynter)
os cinco criados da rainha
os três criados do rei
um criado do primogénito real
duas criadas do segundo filho real
ilean keshia (de shairany wynter)

o bobo.
Mushin

lend.

o rei ˙ cleve everard
o general ˙ neureus cree