quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

capítulo iv.

Funesto Evento

Endireitou-se na cadeira, enxugando os olhos o melhor possível com o lenço branco que uma mão lhe entregara. À sua volta encontrava-se um grupo de pessoas que falavam, murmurando-lhe palavras de consolo ao ouvido e apertando-lhe os ombros em tentativas de a recompor, e Nyree não soube distinguir quais os gestos que traziam consigo sinceridade e aqueles carregados de cinismo. Respirou fundo, revendo o que acontecera.

Seth desaparecera durante os festejos, mas Shairany e Alene Eudora haviam ficado junto a ela, conversando amigavelmente. Bryan parara junto à mesa delas por momentos, cumprimentando-as, e partira depois para uma dança com Candice Rolf. A festa corria bem até um criado entrar no jardim, ofegante, anunciando a chegada dos senhores Wynter, feridos. Nyree julgou-se prestes a desfalecer, por segundos, mas levantou-se e seguiu Shairany até ao pátio, onde uma carruagem em mau estado se encontrava circundada por meia dúzia de soldados que pareciam pior que o veículo. Um físico espreitava pela porta aberta para o interior, que as irmãs não conseguiam ver. Shairany avançou, Nyree seguiu-a, mas um braço deteve-a, agarrando-a pelos ombros. A voz de Bryan passou por cima da sua cabeça para chegar a Shairany, dizendo-lhe para parar. Ela fê-lo, olhando para ele irritadamente e ainda a meio da passada, como se prestes a continuar.

— Deixa os físicos tratarem deles, Shairany.

Ela não se mexeu, baixando os olhos. Nyree compreendia-a. Também ela queria ver os pais. O braço de Bryan, contudo, ainda a impedia de prosseguir. Não a segurando com muita força, o seu aperto era firme. Shairany olhou a carruagem uma última vez e acenou, voltando para trás.

— Eles...

Bryan interrompeu-a. — Eles vão ser levados para a ala dos cuidados a doentes. Podem ir lá vê-los quando os físicos derem a sua autorização. — O seu tom não era exactamente severo, mas não parecia estar longe. O seu braço largou Nyree, mas as suas mãos incitaram-na a dar meia volta e a regressar ao palácio. Nessa altura, os seus olhos começaram a ficar inundados de lágrimas que lhe toldavam o caminho, e sentiu a mão da irmã a apertar a sua.

Não prestou atenção ao percurso, deixando-se cair na cadeira que lhe indicaram. Um grupo parecera surgir de repente, seguindo-os numa procissão de murmúrios e condolências, rodeando-a quando se sentou. Não deu pelo desaparecimento de Shairany ou Bryan, mas quando os procurou com o olhar nenhum estava à vista. O peito apertava-se-lhe até mal conseguir respirar, entrecortando o ar com os soluços do choro. Encolheu-se sobre si mesma, sabendo que estava a revelar demasiado de si, mas era essa a sua fraqueza. A sua família era demasiado importante para si e não era capaz de se desprender dela, ainda que tentasse. Queria ver os pais, naquele momento, certificar-se de que ficariam bem, mas o primo tinha razão, e os físicos tratariam deles o melhor que podiam. Onde estava Seth?

Candice entregou-lhe outro lenço, mas outra mão tomou-o antes que ela o agarrasse. Dementia Wallace mandou afastarem-se todos, para que Nyree pudesse respirar, e chamou o filho. Tyrev. Ele ajoelhou-se à sua frente, com um sorriso, e a mãe e Rainha passou-lhe o lenço de Candice. O segundo filho da família real encostou-o à face de Nyree, que estremeceu, esperando que o tremor fosse tomado por choro. Não podia ser ofensiva ao ponto de lhe afastar a mão, principalmente em frente a Dementia, pelo que se manteve imóvel. Foi Shairany que interveio, quase delicadamente interpondo-se entre ela e Tyrev, dizendo que a levaria para o quarto, para descansar. Já sem chorar, Nyree levantou-se e seguiu-a, escondendo os olhos ao ver a expressão do primo. A ambição era clara na sua face, inegável, enquanto as via partir.

— Eles não me deixam vê-los, ainda. — Shairany fechou a porta do quarto da irmã atrás de si, depois de a empurrar para o interior. — O Bryan está com os físicos e também insiste em não me deixar passar.

Nyree sentou-se na ponta da cama. — E o Seth?

A irmã abanou a cabeça. — Nada, ainda. Deve ter saído a meio da festa para fazer alguma coisa. — Pelo seu olhar, ela sabia o que era essa coisa. E não lhe agradava. Com um suspiro, caiu no cadeirão e recolheu as pernas debaixo de si, com pouco cuidado com o vestido.

Nyree adormeceu, encolhida na cama debaixo de uma pesada manta, acordando de quando em quando sem saber porquê, voltando a imergir no sono momentos a seguir. Não descansou verdadeiramente, mas a fuga temporária à realidade serviu-lhe de bálsamo delicado à alma. Quando acordou de vez, finalmente, era noite, e a janela aberta do quarto bafejou-a com ar frio que lhe arrepiou a pele ao sentar-se e livrar-se da manta. Shairany não se encontrava lá, mas um vulto no sofá levantou-se ao vê-la despertar. O seu coração começou a galopar no peito, assustado.

— Seth? — Não, era maior que o irmão, e mais entroncado.

Quando o pôde ver, assim que ele se colocou num ângulo em que o luar lhe incidia nas feições, Nyree quase suspirou de alívio. — Não devias estar aqui, Bryan.

Ele sorriu e levou-lhe uma mão à cabeça, desprendendo o toucado já mal preso e fazendo com que os cabelos ficassem definitivamente soltos, escorregando-lhe pelas costas. — Entrei pela janela, ninguém me viu. A tua irmã sabe que eu estou aqui, avisa-me se andarem a chamar por mim. — Fez um esgar. — Se quiserem coisas importantes. Não acreditas na quantidade de vezes que já me chamaram hoje por disparates, Ny.

Ela cruzou as pernas e rodeou-se com os próprios braços; o ar vinha frio. — Os meus pais?

Bryan sentou-se à sua frente e deu-lhe uma palmada suave na cabeça. — Estão a salvo. Têm algumas feridas graves, e precisam de repousar, mas amanhã já os podes ver.

O alívio foi tal que sentiu vontade de chorar outra vez, mas conteve as lágrimas. Ainda sentia os olhos cansados do choro de antes e a cabeça pesada. E frio. Bryan apercebeu-se, pegando na manta e enrolando-a à volta dos seus ombros. Nesse momento, o primo colocou-lhe uma mão sobre a boca, a sua cara virando-se lestamente como o estalar de um chicote para a janela. Um vulto esguio empoleirava-se lá, as feições obscurecidas pelo luar que batia nas suas costas. Mas Nyree reconhecia-o, de tantas vezes o ver naquela mesma posição. Usou as mãos para afastar a de Bryan que a impedia de falar, e Seth entrou para o quarto, os pés quase não produzindo um som ao serem pousados sobre o chão de pedra. Conseguiu discernir o seu rosto, com uma expressão que punha em conflito culpa e irritação.

— Olá, Bryan. — Colocou-se do lado oposto da cama ao do primo, fitando-o.

— Estou a ver que tivemos a mesma ideia. — Pareceu a Nyree distinguir simpatia e desafio na face do Rei. — Já sabes da notícia, presumo.

Seth acenou. — Sim. Já os fui ver, insisti com os físicos até me deixarem passar. — A gémea remexeu-se no lugar. Também queria ir vê-los, mas agora deviam estar a dormir. Ele continuou. — Não estavam acordados, amanhã volto lá.

Uma rajada inundou o quarto, e Seth afastou-se para fechar a janela, falando enquanto o fazia. — Tens de comer alguma coisa, Ny.

Foi Bryan que se levantou, contudo, dirigindo-se à mesa baixa junto ao sofá onde estivera sentado, pegando num tabuleiro. — O leite ainda deve estar quente. Pedi que metessem uma colher de mel. — Colocou-o em cima da mesa de cabeceira, enchendo depois uma chávena com o conteúdo ainda fumegante do bule de porcelana com floreados dourados e estendendo-lha.

Nyree segurou-a entre as duas mãos, agradecendo. Aqueceu-lhe os dedos e a garganta; Bryan tivera razão, ainda estava quente. Foram-lhe também passados alguns biscoitos doces, que comeu com dentadas controladas, uma vez que a fome que sentia levá-la-ia a comer tudo de uma vez. Os dois observaram-na em silêncio, Bryan reenchendo-lhe por duas vezes a chávena. Já sentia a cabeça menos pesada, e recostou-se para trás, apoiando as costas direitas contra as altas e cinzentas almofadas ornamentais, bordadas a fio de prata.

Sorrindo, Bryan passou uma mão pelos seus cabelos, despenteando-lhos. — É melhor dormires. Acredito que amanhã queiras acordar cedo. — Inclinando-se para a frente, deu-lhe um beijo na testa, afastando a franja. — Boa noite. — Despediu-se de ambos os Wynter com um aceno, dirigindo-se à janela e abrindo-a. Rapidamente desapareceu de vista, e Nyree levantou-se para o ver descer. O irmão estava habituado a fazer aquilo, mas o primo nunca descera por ali antes.

Esperou até ele chegar ao chão e desaparecer do pequeno jardim até fechar a janela, sentindo a pele arrepiada do frio. Ao voltar-se deparou-se com Seth, a apenas um passo de distância. Ele despiu o próprio casaco e colocou-o sobre os ombros dela, agarrando-lhe depois nas mãos e fitando-as.

— Desculpa-me, Nyree. Não estava aqui quando tu e a Shairany precisavam de mim. Quando os pais precisavam de mim.

A perplexidade que sentia ao ouvi-lo falar foi substituída por um pequeno sorriso triste. Soltou as mãos e abraçou-o. — Não tens de pedir desculpa. — Encostou a cabeça ao ombro dele, enquanto ouvia gotas ferozes embaterem cada vez mais violentamente contra os vidros. Momentos passaram antes de Seth se mexer, erguendo os braços para a apertar também, afagando-lhe o cabeço solto.

Foi ele que se afastou primeiro, fazendo-a dar meia volta e encaminhando-a para a cama. — O Bryan tem razão. Tens de dormir.

Esperou de costas voltadas enquanto ela despia o vestido e apressadamente vestia a nívea e rendada camisa de noite. Depois de Nyree se deitar ele ajeitou as cobertas da cama, certificando-se de que ela estava completamente tapada, e sentou-se ao seu lado, cantando uma melodia de embalar que a mãe lhes murmurava há muitos anos. Nyree adormeceu aninhada entre os suaves lençóis, a mão do irmão apertando a sua e a sua voz roçando-lhe a alma.

sábado, 23 de janeiro de 2010

capítulo III.

Novo Rei

Seth espreguiçou-se. Ainda não recuperara completamente o sono de há duas noites. Niles ajudou-o a vestir-se; nem reparou no que estava a colocar. Não importava, não era relevante a roupa, nesse dia. Tinha de ir assistir à coroação de Bryan, e não estava muito entusiasmado. Quase podia ver o sorriso da gémea quando haviam falado sobre isso. Toda feliz com o primo rei. Ao menos desta vez poderia ficar ao lado dela enquanto lhe metiam a coroa na real cabeça. Conseguia ver também o ar trocista de Shairany. Ela gostava dele, era seu irmão, mas não lhe agradava a ideia de ele gostar de Nyree.

O sol entrava suavemente pelo quarto. Quando acabou de se aprontar despediu-se de Niles e saiu. Já restava pouca gente nos corredores dos aposentos masculinos, apenas um ou dois atrasados. Como ele mesmo. Com as mãos nos bolsos, percorreu o caminho pelo mármore até ao salão. Grande parte das pessoas já lá se encontrava, tanto nobres como burgueses. Bryan era popular, mesmo antes de ser rei. Tomou uma entrada secundária, escapando à multidão e acercando-se do lugar que lhe estava reservado ao lado das irmãs. Nyree, cumprimentando-o com um sorriso, estava deveras bonita, os cabelos presos no topo da cabeça num toucado de pedras verdes e com um vestido da mesma cor, que se lhe ajustava ao corpo na perfeição. Shairany também estava bela, com o cabelo ornado por jóias rubras e um vestido vermelho que lhe deixava desnudos os ombros de pálida pele.

Sorriu às duas ao sentar-se ao lado delas, olhando para o resto dos presentes. Toda a gente da nobreza e alguns membros da alta burguesia. Parecia prometer uma festa animada. Bryan ainda não entrara, mas a cerimónia parecia prestes a começar. Esperava que iniciasse depressa; mais celeremente sairia dali. Naquele momento as trompetas começaram a soar e as portas atrás do trono abriram-se, deixando entrever um pequeno cortejo, no meio do qual se encontrava Bryan, postura solene e cabeça erguida, ainda que com um sorriso ligeiro a ameaçar surgir. Colocou-se em frente à multidão, de cada lado dele os Grão-sacerdotes e a Grã-Sacerdotisas dos quatro deuses, todos com vestes ornadas de ouro e prata.

Seth fungou. Cada um se achava mais importante que o outro, exibindo todas as riquezas que podiam. Observou as pessoas no estrado e os seus olhos detiveram-se sobre Dementia e Tyrev. Os rostos de ambos encontravam-se estranhos, rígidos e compenetrados nas costas de Bryan. Coçou o queixo. Tyrev nunca gostara muito do irmão, mas Dementia era mãe dele. Talvez estivesse indisposta. Nyree mexeu-se na cadeira, ao seu lado; quando a fitou os seus olhares cruzaram-se, não foram precisas palavras para saber que ela vira o mesmo. A gémea já fugira várias vezes de confrontações com Tyrev, quando este tentara assediá-la. Shairany era capaz de escapar à sua perseguição quando estava no palácio, respondendo-lhe mal em frente a outras pessoas para o embaraçar, e ele agora limitava-se a olhá-la rancorosamente. Seth apenas esperava que não se lembrasse de se vingar.

Bryan foi coroado, na sua cabeça repousando a coroa elegante de ouro refulgente. Sorria agora abertamente a todos, descendo as escadas do estrado para o caminho que se abria à sua frente até ao exterior, ao hall. Parou, estendendo o braço à sua mãe e retomando a marcha. Agora seria o momento em que deveria falar para o povo. Ninguém saiu do lugar, soltando vivas enquanto ele subia as escadas até à varanda a partir da qual faria o seu discurso.

Seth acomodou-se melhor no lugar sem perder a graciosidade. Esperava que o discurso não fosse grande. Nyree parecia compenetrada em tentar ouvir o que Bryan dizia aos seus súbditos, apesar de não se perceber uma palavra do que ele dizia, tudo abafado pelos gritos e aclamações do povo. Shairany, contudo, olhava Seth de lado, com um sorrisinho que o irritou.

— O que foi? — silvou-lhe, em voz baixa.

Ela endireitou as costas. — Ora, nada. A Ny parece muito feliz, hoje, não achas?

Decidiu não lhe responder, voltando-lhe parcialmente as costas. Com a teimosia dela não valia a pena competir.

O discurso terminara finalmente, por entre uma salva de aplausos e assobios, tudo saudando o novo rei. Era-lhe difícil pensar em Bryan como rei, mas teria de se habituar.

Acabada a cerimónia de coroação, passar-se-ia ao banquete. O primo voltava agora para dentro, ainda tão sorridente quanto antes, e o público na sala levantou-se para o seguir. Da varanda interior onde estavam instalados, os irmãos Wynter fizeram o mesmo, todos graciosamente felinos. Seth cedeu a dianteira a Nyree e Shairany que poderia ter algo de jocoso para os mais atentos. Ou talvez fosse apenas o relampejar da luz vinda do exterior nos seus olhos cinzentos.

O cortejo era longo e mais atabalhoado que o da Celebração da Passagem, não existindo agora a ordem dos pares imposta pela solenidade e vogando pelos caminhantes uma lesta onda de boa-disposição. Seth não partilhava dela; o seu humor ainda não melhorara muito, tendo sido, apesar de tudo, capaz de forjar um sorriso que apresentou aos outros convivas, facilmente enganados. Nyree não reparou nele, alegremente seguindo a procissão, mas Shairany abanou a cabeça, fingindo estar desapontada. Ele lançou-lhe um olhar irritado e acelerou o passo, passando à frente das duas e surgindo ao lado de Aune Lenore. Era uma rapariga que não gostava de falar, tímida por natureza. Era bonita, mesmo com a cara comprida e olhos grandes como os de uma coruja, castanho-esverdeados. O cabelo, preso com ganchos de modo a formar um nó elaborado, começava a soltar-se, deixando madeixas de um loiro escuro a flutuar em redor do rosto. Todo este corou quando viu Seth surgir, mais ainda quando ele lhe dirigiu o seu sorriso. Estava em crer que ela tinha um fraquinho por ele, e aprazia-lhe brincar com ela de quando em quando. Provavelmente a paixoneta dela crescera quando ele a salvara, subtilmente, de um encontro acidentado com Tyrev. O homem, insistindo em ter todas as mulheres existentes no palácio, fossem elas de que estrato social fossem, não deixava de perseguir mesmo as damas de companhia da sua mãe, encurralando-as em esquinas e corredores vazios. Por mais que uma vez Seth salvara uma ou duas, incluindo a sua própria gémea.

Caminharam lado-a-lado em silêncio, Seth e Aune, até aos jardins reais, onde estavam espalhadas várias mesas, aparentemente sem razão ou ordem; junto delas um pequeno estrado com uma banda e um grupo de saltimbancos no meio, no espaço em redor da fonte. Seth lembrava-se de brincar nela quando fora mais novo, nas vezes em que, com a família, viera visitar a corte. Ele e Shairany, ignorando Nyree, que lhes pedia que parassem, entraram para dentro de água, lutando entre eles e acabando encharcados. Bryan pegara neles pela gola e levara-os para o palácio, sorrindo como se também ele tivesse caído dentro da fonte. Não escaparam a uma descompostura dos pais, tendo sido impedidos de sair para os jardins exteriores durante algum tempo. Seth imaginou-se a saltar novamente para a fonte, agora na festa da coroação do primo. Ele riria, provavelmente, e talvez voltasse a pegar nele pelo pescoço para o obrigar a ir mudar de roupa.

Naquele momento, Bryan tomava lugar na mesa que tinha um lugar de destaque, na cadeira central, ricamente ornada e entalhada, de madeira escura com decorações douradas. Sentou-se com um sorriso radiante, curvando-se para a ainda sisuda mãe que se sentara ao seu lado direito. Os três Wynter tomaram lugar na mesa mais próxima da da família real, sentando-se Seth entre as duas irmãs. Nyree ficara na ponta; Shairany sorria alegremente para a amiga ruiva, Alene Eudora, trocando comentários em voz baixa.

Quando todos estavam sentados, a comida começou a surgir, criados carregando-a em largas travessas que colocavam nas mesas para os convivas. A gémea de Seth mantinha os olhos cinzentos pousados sobre os saltimbancos enquanto comia, um deles engolindo uma espada, o outro rodopiando no meio de cordas em chamas. Imitou-a; entre os artistas havia uma mulher que envergava roupas estranhas e justas ao corpo, revelando muito do que se encontrava por baixo. Talvez ela estivesse livre mais tarde. Nessa altura Bryan levantou-se, batendo com a faca no copo de cobre, e instalou-se o silêncio.

— Estimados convidados, — começou, olhando todas as mesas, — este dia é um de celebração e de festejos. Merece ser vivido com alegria e contentamento, com comida e bebida, música e dança. Não deve ser esquecido, contudo, aquele que durante anos nos reinou, ensinando-nos tanto e de forma tão justa, com firmeza e benevolência, sem esquecer uns e outros e estendendo a mão de forma igual a todos.

Fez-se um momento de silêncio ante as suas palavras, e a rainha levantou-se de seguida. — Tens razão, meu filho, meu rei. Mas agora um novo futuro espera-nos, um em que serás tu o nosso líder, o nosso guia, a nossa luz. — O seu sorriso era belo e sereno, transmitindo segurança e conforto. O filho tomou a mão dela e beijou-a, e o público aplaudiu.

Seth suspirou de impaciência e exasperação. Quão pior se tornaria aquilo? Os saltimbancos saltavam agora do sítio onde estavam, a música começava a preencher os jardins, imiscuindo-se com o perfume das flores outonais e com as folhas caídas das árvores já vermelhas, acastanhadas ou ainda verdes, verdes por todo o ano. Recostou-se na sua cadeira enquanto via os artistas procurar pares entre os nobres; eram recebidos com exclamações de ultraje ou com risos divertidos, estes que riam eram levados para o centro, rodando em redor da fogueira ao som dos acordes da banda. A mulher que fitara há bocado estendia a mão para Carson Lee, mas ele olhou-a com desprezo e virou-lhe depois as costas. Em poucos minutos, Seth levantara-se e levara-a para junto dos outros pares, sorrindo aos seus olhos esverdeados e cabelos castanhos em belos caracóis anelados. Tanto um como o outro eram ágeis e graciosos dançarinos, coordenando os passos fácil e lestamente sobre as lajes brancas do chão. A música acabou, começou outra, de novo dançaram como um perfeito par. Ela tinha um sorriso fácil e agradável, era alta, quase da sua altura; não falaram, não era preciso.

Após terminarem uma quarta dança, ainda sem trocarem palavras, Seth puxou-a pelo braço, e discretamente abandonaram o espaço da festa em direcção ao pinhal. Partiam sons abafados daqui e dali, provavelmente de gente que tivera a mesma ideia. Levou-a para mais longe, não querendo que outros o ouvissem também. A mulher sorria ainda, não parecendo assustada. Estaria habituada, talvez. Encontrou um lugar que lhe pareceu confortável, encostando-a a uma árvore e tomando-lhe as formas com as mãos. Não demorou a esquecer a festa.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

capítulo II.

Celebração

Shairany conduziu o cavalo através do pátio, até aos estábulos. Não tardou, observadora, a aperceber-se do silêncio que reinava, mesmo no exterior do palácio. Ao atravessar a cidade, reparara no quão tranquila estava, sem os mercados a borbulhar ou a movimentação habitual. Quando entregou o cavalo a um moço de estrebaria, não se demorou a perguntar-lhe o que se passava. Apressou-se em direcção aos aposentos da irmã, pensando ter de evitar os mexericos das damas nos aposentos das mulheres, mas nenhuma se encontrava à vista. O que temia parecia ter-se tornado verdade. Sem bater, entrou no quarto de Nyree.

A irmã estava sentada numa cadeira almofadada, olhando vagamente para a janela. Ainda restavam vestígios de lágrimas nos seus olhos cinzentos, tão iguais aos seus. Ela virou-se na sua direcção, mas o sorriso que esboçou foi fraco.

— Ele... Atravessou? — forçou-se a perguntar.

Nyree apenas acenou, novas lágrimas a brotarem-lhe na face. Shairany tomou lugar na cama e fitou o nada, abstraidamente. Se tivesse chegado mais cedo... Não podia ter sido há mais de dois dias, se ainda não tinha sido realizada a Celebração da Passagem.

— O Bryan. Como está ele? — O seu primo mais velho deveria sentir-se desgastado, sem vontade de encarar ninguém. Recordou-se de quando uma dama lhe insultara os cabelos cinzentos e as maneiras frias e distantes, pouco próprias de uma donzela. Fora ele que relembrara à mulher que ela era uma sobrinha do Rei, e que não lhe cabia a si censurá-la.

— A cumprir o seu papel. — Sem dúvida. Ele não seria capaz de admitir fraqueza em frente aos seus vassalos. Seria coroado rei. Na prática, já o era. Não falaria com ele a não ser que a procurasse, sabia, mas sentia pena do cortês primo. Nunca conhecera bem o tio, Clement Wallace, mas lamentava a perda de um homem justo.

A irmã ergueu-se. — Tens de mudar de roupa. Já foste ao teu quarto? — Shairany percebia que estava a tentar distrair-se, abster-se de pensar no que a magoava, naquele momento. Onde estaria Seth? Era raro Nyree encontrar-se sem ele, ainda para mais quando se sentia tão abalada.

— Ainda não. Vim directamente para aqui. Quando vai ser a Celebração?

— Amanhã à noite. Não sei se sou capaz de ir. — Deixou-se cair de novo na cadeira, como se cansada.

Shairany abanou a cabeça. — Não podes faltar, o Bryan vai precisar de ti lá. — Nyree parecia mais pálida do que era seu costume. — Deita-te, vou mudar de roupa e volto já. – Esperou que a irmã fizesse o que dissera antes de sair do quarto.

Esgueirou-se por entre os corredores sem qualquer ruído, até alcançar o seu quarto. Mudou rapidamente de vestido para um que não estivesse sujo de poeira e apressou-se a regressar para junto de Nyree. Mesmo antes de entrar, ouviu vozes levemente irritadas no interior. Suprimiu um resmungo e abriu a porta.

— Ah, a minha irmãzinha. — Seth encontrava-se sentado na cadeira onde Nyree estivera momentos antes, e apresentou-lhe um sorriso breve, ao contrário do costumeiro. — Chegaste agora?

Shairany acenou, sem responder, e sentou-se ao lado da irmã, na cama. Foi com ela que falou. — Quando é a Celebração?

— Esta noite. — Levantou-se e dirigiu-se ao armário. — Tenho aqui um vestido para ti. Entregaram-mo ontem, para o caso de vires.

Estendeu-lho, uma única peça de seda branca, a cor da Celebração da Passagem. Era bordada a linha prateada no peito e na bainha da saia, com motivos florais.

— Obrigada. — Nyree pareceu hesitar, como se fosse acrescentar algo, mas não o fazendo. — O que foi?

— Tens de arranjar um par, Shay. — Oh, tinha-se esquecido dessa parte. E agora? A irmã continuou. — Podes ir com o Seth.

O rapaz fungou, e Shairany fitou, incrédula, Nyree. — Com ele? Eu? E tu?

Ela corou profusamente, e o irmão resmungou algo imperceptível. — Vou com o Bryan. Ele pediu-me ontem, e não lhe podia dizer que não depois de perder o pai.

Shairany sorriu. Gostava de ver Nyree com o primo mais velho, ainda que tivesse de aturar Seth.






A noite chegou, muito a contragosto de Shairany. Gostaria de ter ficado no quarto, mas Ilean surgiu para a ajudar a vestir-se. Suspirou exasperadamente e deixou-se conduzir à sala de banhos, onde foi enxaguada e esfregada até não restar qualquer vestígio da poeira da viagem. Quando estava pronta, Ilean colcou-lhe o corpete, as saias inferiores e, por fim, o vestido que Nyree lhe havia entregado nessa manhã. Estava um pouco largo e teve de ser apertado até ao limite, mas no final acabou por assentar-lhe bem. Ilean penteou-lhe também o cabelo, formando um nó cinzento na nuca e prendendo-o com uma rede com cristais que cintilavam a cada movimento da sua cabeça.

Assim que na porta soaram batidas secas e firmes, três, olhou uma última vez o espelho, revendo-se na súplica dos próprios olhos, e saiu ao encontro do irmão. Nas portas das outras damas encontravam-se também outros homens, todos igualmente bem vestidos e com rosas brancas na mão. Viu Bryan bater à porta do quarto de Nyree e esta a surgir, penteada com uma trança entrelaçada caindo-lhe por cima do ombro direito, ela mesma, com fitas níveas que contrastavam com o cabelo negro. Um círculo prateado enfeitava-lhe o topo da cabeça.

— Estão bonitos, não estão? — perguntou, com um sorriso matreiro, e Seth, vestido de branco à sua frente, olhou-a irritadamente. Também ele estivera a observar o par.

— Vamos embora. — Estendeu-lhe o braço, que ela tomou, distraidamente. A fila à sua frente avançava, lentamente, procissão fúnebre pausada.

Quando alcançaram o salão principal, Shairany avistou o corpo de Wallace pousado sobre uma comprida mesa, vestido de azul, sereno como a cor que envergava, a face tranquila. Ouviu alguns soluços vindos de outros pares. Não pôde verificar se uma das mulheres que choravam era Nyree, visto ela estar de costas para os dois irmãos.

Todos pararam e cada par avançou, lentamente, para prestar homenagem ao rei que falecera. Seth, ao seu lado, suspirou de aborrecimento enquanto esperavam a sua vez, mas comportou-se solenemente quando foi a sua vez. Ajoelharam e cada um beijou a mão fria do seu antigo suserano, que partira acompanhado pelo Senhor do Sono. Quando a alvorada chegasse, teria completado a Travessia.

Quando todos haviam prestado a sua homenagem a Clement Wallace, sentaram-se nas mesas e a música começou. Não havia nela nada de soturno, e alguns pares rodopiaram pelo salão. Shairany reparou no esforço que Bryan fazia para sorrir, e na ajuda a realizar tal que Nyree lhe prestava. Um rapaz da sua idade, escudeiro de Carson Lee, de cujo nome ela não se lembrava, convidou-a para dançar. Recusou com elegância. Não gostava de Carson, um convencido cavaleiro que assumia que todos lhe deviam prestar vassalagem, por ser de uma casa importante. Enquanto Shairan, muitas vezes envolvia-se em discussões com ele por causa da sua arrogância. Se ele soubesse que Shairan não passava de uma mulher disfarçada, provavelmente teria um ataque de fúria.

Seth ao seu lado mal tocava na comida. Qualquer outra pessoa pensaria que era por causa do falecido rei; Shairany sabia que não. O olhar do irmão não parava de se desviar para Nyree e Bryan, enquanto ambos se levantavam para dançar. Apenas suspirou quando acabaram e o príncipe herdeiro, quase rei, tomou a mão de outra donzela para a conduzir numa dança. Nesse momento ergueu-se abruptamente e, sem uma palavra, dirigiu-se à gémea.

“Que idiota.”

Os pratos do jantar surgiam a uma velocidade surpreendente, e assim desapareciam, enquanto vários criados serpenteavam por entre as imensas mesas e serviam as iguarias. Sentia-se triste, e também ela deixou grande parte da refeição no prato. Sabia que Bryan seria um excelente rei, mas Clement fora um grande senhor e agora estava morto. A alegria dos convivas envergonhava-a. Sabia que era suposto ser esse o sentimento, mas não conseguia partilhá-lo.

Esboçou um sorriso quando Alene Eudora tomou o lugar vazio de Seth. Vinha afogueada; estivera a dançar. Abraçaram-se antes de dizer fosse o que fosse. Alene era das poucas pessoas em quem confiava, e das raras que sabiam que, quando ausente, assumia a armadura de um cavaleiro e mudava de nome.

Esperou e escutou enquanto a outra rapariga lhe contava as novidades e o que acontecera na corte real durante a sua ausência. Rumores eram a sua especialidade. Ouvira dizer que Candice Rolf, uma das damas da rainha, estava prometida a Gwayn Harland, cinco anos mais novo e escudeiro de Tyrev, e que casariam quando ele se tornasse cavaleiro.

Shairany sabia que não faltava muito para que isso acontecesse, e que ele não se importaria de casar com Candice, uma jovem adorável e que atraía o olhar de vários homens.

O resto da noite decorreu numa tagarelice intermitente, tornando-se mais escassa à medida que a manhã se aproximava e a luz da alvorada se começava a mesclar com a das velas que iluminavam o salão.

Assim que o sol nasceu completamente, o corpo foi levado para o exterior, onde foi sepultado em conjunto com o dos seus antepassados. O silêncio era profundo mas não incómodo, apenas em parte devido ao cansaço dos presentes. Quando terminou, regressaram em passo exausto aos quartos, para também eles repousarem, desta vez o sono dos vivos.


© Débora e Catarina

sábado, 20 de dezembro de 2008

capítulo I.

Antes da Passagem

O luto antecipado vestia o palácio. Ninguém duvidava da travessia próxima do rei para O Outro Lado. Nos corredores, a cor amarela do brasão real deixara de brilhar e resplandecer como usualmente para se tornar mortiça e murcha. O próprio ouro que ornava a mobília das salas mais requintadas e a prata que refulgia como espelhos tinham perdido o encanto. Jamais, desde que Nyree se lembrava, havia a corte atravessado um estado de tamanha depressão. O negrume da morte parecia rastejar pelos cantos, como se o próprio Senhor do Sono esticasse os seus braços por entre as divisões do palácio real de Syran. Mesmo na sala onde, todas as manhãs, se encontravam a rainha e as suas damas de companhia para bordar elaborados desenhos de brilhantes cores, vogava o silêncio, tão incomum. Até a senhora de Syran, Dementia Wallace, se erguer, elegante e tranquilamente, nenhuma palavra se escapara por entre os lábios das mulheres que se encontravam na divisão. Assim que a rainha abandonou a sala, sussurros misturaram-se com o ruge-ruge das saias a roçarem as outras e o chão.

Nyree ultrapassou-as, esgueirando-se por entre as damas que se acotovelavam para relatar notícias – ou, mais provavelmente, rumores. No corredor, cujas largas janelas deixavam entrar a luz Outonal, derramando-a no chão de pedra, os seus passos solitários ecoaram nas paredes despidas, exceptuando pelo brasão com o sol negro da família Wallace.

E se o rei morresse? Era inevitável, sabia-o, mas conhecera-o desde que viera para a corte e, sempre que lhe dirigia a palavra, era cortês e bondoso. Tal facto não se devia sequer ao facto de ser sua sobrinha, antes à personalidade gentil de Clement Wallace. Porém, não se sentia preparada para o ver definhar eternamente. A Passagem aliviá-lo-ia do sofrimento por que passava. E a celebração em nome de tal evento traria de novo vida ao palácio, e o manto de negrume que o soterrava levantar-se-ia.

Passos rápidos acercaram-se de si, e virou-se para encarar o seu dono. A pequena Laurie Bethany, irmã de Tawnie Bethany que, como Nyree, era uma das damas de companhia da rainha, saltitava pelo corredor, fazendo baloiçar os cabelos loiros presos com dois laços. Ao vê-la, esboçou uma pequena vénia, graciosamente, que combinava com o sorriso que empunhava. Quando ambos lhe foram retribuídos, o sorriso alargou-se e prosseguiu. Nyree quedou-se a vê-la desaparecer na esquina, antes de continuar a andar.

A sua reflexão foi de novo interrompida por uma jovial voz, atrás de si.

— Menina Wynter, poderíeis dispensar-me um pouco do vosso tempo?

Nyree acenou, esperando que Alene Eudora alcançasse o seu lado para avançar.

— A vossa irmã partiu há um mês, e desde então que não tenho recebido quaisquer notícias suas.
“Sim, já calculava que era isso que querias saber”, pensou a jovem de cabelos negros. Alene e Shairany eram amigas desde que os três filhos da família Wynter haviam chegado à corte. A menina Eudora estendera a mão à sua irmã mais nova quando ninguém se interessava pela rapariga distante e fria, com uma personalidade condicente com os seus cabelos e olhos cinzentos. Os mesmos olhos que os seus e os de Seth. Suspirou e baixou a voz. – A Shairany continua no campo de treino militar, ainda que espere regressar dentro de uns dias. Estou certa de que não tardará a aparecer ao portão, montada no seu cavalo.

Alene sorriu abertamente, tornando ainda mais bonita a cara roliça e fazendo refulgir os olhos castanhos. Os curtos cabelos ruivos escorregaram-lhe para os olhos quando lhe fez uma vénia, e afastou-se num passo quase saltado. Nyree não desgostava da rapariga, reflectiu. Era espontânea e honesta, o que não se podia dizer de uma grande parte da corte, e destacava-se mesmo por entre as damas de companhia de Dementia. Compreendia que Sharainy se desse tão bem com ela. Mas não era sua amiga, e Nyree não confiava totalmente nela. Sabia que tal seria insensato, num local onde os segredos eram contados tão facilmente que raramente tinham oportunidade de ser segredos.

Enquanto falava com Alene, avançara até ao átrio principal. No seu lado esquerdo abriam-se, altas e imponenentes, as portas da Sala de Audiências. Parou para olhar o seu interior, com as paredes cobertas de tapetes e o brasão da casa real sobre o trono, onde, nesse momento, se encontrava Bryan, herdeiro da casa Wallace, substituindo o seu pai. Era um jovem bonito, nos seus vinte e quatro anos, cabelos castanhos e olhos da mesma cor. Dizia-se que era igual ao pai, quando tinha a mesma idade. Também a sua personalidade era parecida à do seu progenitor. Justo, firme e, contudo, ostentando tão facilmente sorrisos que se diria que nascera sorridente. Para Nyree era como um irmão mais velho.

Apenas restavam três homens aguardando uma audiência. Bryan ouvia o que dizia o primeiro, pensativamente, para depois se inclinar para a direita, para um dos guardas, sussurrando-lhe algo ao ouvido. Este acenou e desapareceu por uma porta por detrás do trono. De seguida, o príncipe herdeiro voltou a sua atenção para o camponês à sua frente e decretou uma sentença que pareceu deixá-lo aliviado.

— Menina Wynter. – Ao seu lado, subitamente, surgira o guarda que vira deixar o estrado a mando de Bryan. – Sua Alteza pede-vos que aguardeis alguns momentos, e que se vos juntará dentro de pouco tempo.

Assim que Nyree acenou, ele voltou a desaparecer, e não tardou até que o visse aparecer de novo no lugar de onde partira, murmurando algo ao ouvido do príncipe. Este acenou e prosseguiu as audiências.

Quando por ela haviam passado os três homens, todos esboçando vénias desajeitadas pela falta de hábito e murmúrios de “Senhora”, Bryan saiu da sala, esboçando um sorriso. Não era tão alegre como usual, reparou, mas não deixava de ser reconfortante, quando quase toda a alegria do castelo se escoava e se escondia, e muita da que restava era vã ou cínica.

— Então, Ny, que fazes por aqui? A minha mãe acabou a sessão de costura mais cedo? – inquiriu, passando-lhe uma mão pela franja, despenteando-a.

Lançando-lhe um olhar mal-humorado, ajeitou o cabelo. – Sua Graça não se encontra com disposição para a costura, o que é compreensível.

O suspiro de Bryan era cansado, e ele deixou cair a mão sobre o cabelo dela, pousando sobre a trança escura presa com ganchos em redor da cabeça. – Não a censuro, Nyree, não a censuro. – As palavras que murmurava pareciam dirigidas a si próprio. – Podemos ir lá para fora? Há alguns dia que não meto pé nos jardins.

Caminharam em silêncio. Bryan era, provavelmente, aquele que se sentia pior com a situação. Todos conheciam o amor que devotava ao pai, maior ainda que o da rainha. Mas não podia chorar, nem sequer lamentar-se, uma vez que era ele o sucessor e era seu dever representar a força de todo o reino. Nem mesmo o seu irmão mais novo, Tyrev, carregava tal fardo. Apenas o Senhor-Pai e a Senhora da Ampulheta saberiam quantas lágrimas teria derramado sozinho.
Nos jardins repousava uma tranquilidade que não se respirava no interior do palácio. Tomaram lugar num banco de pedra, e Nyree alisou as pregas do vestido escarlate enquanto aguardava.

— Ele não aguenta muito mais tempo, Ny. Os físicos dão-lhe uma semana, talvez duas. Temos de começar a preparar a Celebração da Passagem. – A amargura na sua voz congestionou a garganta de Nyree. Preparar-se para festejar a partida do pai. Não poderia falar como se se tratasse da preparação de um casamento, apesar de tentar fazê-lo. – Eu... Não sei se sou capaz. – Cobriu a cara com as mãos, e as costas encurvaram-se. O seu corpo foi sacudido por soluços.

Nyree encontrou-se incapaz de tomar qualquer atitude. Aguardou, silenciosa, as mãos no regaço em punhos apertados. Não tinha palavras de conforto, e não lhe diria que tudo ficaria bem. Aguardou até as lágrimas deixarem os belos olhos castanho-esverdeados do Príncipe Herdeiro, até ele enxugar os olhos com a manga branca da camisa e lhe dirigir um sorriso que parecia dificilmente sustido.

— Desculpa-me, Ny. – Sorriu-lhe tenuemente. – Deves querer refrescar-te antes do almoço. – Levantando-se, estendeu-lhe a mão. – Acompanho-te aos teus aposentos.

A rapariga tomou-a, e perscrutou-o. Ainda tinha os olhos vermelhos, mas já parara de chorar. De regresso aos corredores sombrios, ambos seguiram em silêncio, tornando mais pesado o ambiente que se sentia. Quando alcançaram a porta dos aposentos das mulheres, estacaram.
— Vejo-te dentro de instantes, então – anunciou o príncipe. Inclinando-se para lhe beijar a mão com delicadeza, aguardou até que ela fechasse a porta atrás de si antes de se afastar.

Nyree evitou as outras damas que conversavam em cochichos nos corredores e caminhou directa ao seu quarto, onde fechou a porta e se deixou cair na cama. A janela aberta suspirou para o interior, uma rajada de ar fresco que agitou as cortinas verdes e lhe afagou a face. Fechou os olhos, e não os abriu quando escutou dois pés tocarem o chão de pedra.

— Que queria o Bryan? – A voz melodiosa deslizou sobre si, como o vento.

— Nada.

Os passos contornaram a cama. – Oh, vá lá, Ny, sabes que vais acabar por me contar.

A rapariga suspirou. – Queria apenas alguém com quem falar. E tu nem devias ter subido, sabes que se te apanham aqui estamos os dois condenados.

— Somos irmãos, querem impedir encontros familiares?

— Não brinques. – Sentou-se, olhando para o rapaz à sua frente. – Qualquer dia cais a subir aquela árvore.

Seth sorriu obstinadamente. – Se tivesse de cair, já tinha caído.

O sino que chamava para a refeição do meio-dia reverberou pelo palácio. – Vai-te embora, vemo-nos daqui a pouco – exortou Nyree. Empurrou o irmão até à janela e fechou-a depois de o ver descer, deslizando agilmente pela árvore que ligava a um pequeno jardim interior onde raramente alguém passeava, por ser tão recluso e ficar num canto pouco importante do palácio, geograficamente.

De seguida, ela mesma escorregou por entre os aposentos femininos até ao salão, onde se juntava a corte.

© Débora e Catarina

sábado, 13 de dezembro de 2008

personagens II.

nome. clement wallace
idade. 63
aspecto.
cor dos olhos. castanhos escuros
cor do cabelo. grisalho liso
constituição. baixo e robusto

nome. dementia wallace
idade. 40
aspecto.
cor dos olhos. verdes
cor do cabelo. castanho claro ondulado
constituição. alta e elegante

nome. bryan wallace
idade. 24
aspecto.
cor dos olhos. castanhos esverdeados
cor do cabelo. castanho Liso
constituição. alto e magro

nome. tyrev wallace
idade. 19
aspecto.
cor dos olhos. verdes
cor do cabelo. loiro Liso
constituição. alto e encorpado

nome. seth wynter
idade. 21
aspecto.
cor dos olhos. cinzentos
cor do cabelo. negro liso
constituição. estatura mediana e gracioso (elegante)

nome. nyree wynter
idade. 21
aspecto.
cor dos olhos. cinzentos
cor do cabelo. negro liso pela cintura
constituição. baixa e graciosa

nome. shairany wynter/shairan terrance
idade. 16
aspecto.
cor dos olhos. cinzentos
cor do cabelo. cinzentos lisos pela cintura
constituição. estatura mediana e magra

nome. neureus cree
idade. 18
aspecto.
cor dos olhos. azul
cor do cabelo. loiro escuro, liso
constituição. alto e magro

personagens.

syran.

família real.
o rei ˙ clement wallace
rainha ˙ dementia wallace, née dementia abagael
príncipe herdeiro ˙ bryan wallace
príncipe [bastardo da rainha] ˙ tyrev wallace

família wynter.
lord wynter ˙ tharley wynter
lady wynter ˙ lilith wynter, née lilith wallace
filhos primogénitos ˙ gémeos . seth wynter, nyree wynter
filha mais nova ˙ shairany wynter º shairan terrance

os cavaleiros.
tyrev wallace
kendal wiktoria (general do exército real)
shairan terrance
carson lee
brandon spyro

as damas de companhia da rainha.
bridget wiktoria
alene eudora
aune lenore
tawnie bethany
candice rolf
nyree wynter

os escudeiros.
william rolf (de bryan wallace)
trent lee (de bryan wallace)
gwayn harland (de tyrev wallace)
rafe bertram (de shairan terrance)

os criados (de quarto).
serena lien (de nyree wynter)
niles laz (de seth wynter)
os cinco criados da rainha
os três criados do rei
um criado do primogénito real
duas criadas do segundo filho real
ilean keshia (de shairany wynter)

o bobo.
Mushin

lend.

o rei ˙ cleve everard
o general ˙ neureus cree